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Sinopse

Mais de 100 ex-empregados da Caixa Econômica Federal se mobilizam ao longo de um ano. Todos foram demitidos injustamente em 1991 pelo governo de Fernando Collor de Mello e estão lutando por seus direitos.

Crítica

O documentário se desenvolve através da articulação constante entre o passado e o presente. Por um lado, as imagens em vídeo das greves na Caixa soam distantes de nós pela qualidade da imagem, pela textura do preto e branco contrastado, pela imagem dos grevistas envelhecidos três décadas mais tarde. No entanto, a comparação entre este episódio e os trabalhadores precários da atualidade, exemplificados pelos motoristas de aplicativos, permite atestar que a situação não mudou. O rosto de Fernando Collor estampava as propagandas eleitorais, prometendo combater a corrupção e eliminar os marajás. A figura salvacionista soa distante, até porque todos sabemos que esta história terminaria mal. No entanto, um rápido salto no tempo nos leva à retórica paternalista de Jair Bolsonaro, assumindo o personagem de salvador da pátria, capaz de resgatar a moral, os bons costumes e a honestidade na política. Dois anos depois, também sabemos onde este pensamento levaria. Documentários políticos sobre crises em andamento costumam apresentar um tom de urgência, curiosamente ausente neste filme. Não Toque em Meu Companheiro (2020) transparece desolação, discorrendo sobre um passado nunca realmente concluído.

As melhores passagens se encontram na montagem de Eva Randolph, transmitindo silenciosamente o ponto de vista crítico da diretora Maria Augusta Ramos. A cada promessa grandiosa de Paulo Guedes ou Jair Bolsonaro, prometendo avanços na economia através de privatizações pelo país, a imagem se volta às comunidades desfavorecidas ou regiões ribeirinhas desprovidas de serviços bancários. O pronunciamento do atual presidente brasileiro na ONU é sobreposto às reações bocejantes dos principais líderes mundiais, pouco convencidos pelo argumento de que o país foi salvo de um perigo socialista. Como de costume, a cineasta evita letreiros explicativos, narrações didáticas e outros recursos escolares, acreditando na potência da linguagem cinematográfica para transmitir a sua mensagem. O procedimento também serve para convidar o espectador à reflexão, fomentando o debate ao invés de fornecer saídas fáceis ou leituras maniqueístas. Ou seja, o discurso evita o teor propositivo (evitando cair no salvacionismo que pretende denunciar), ao privilegiar a análise. O tom político é tão claro quanto maduro: o filme não possui a pretensão de gritar palavras de ordem, e sim retirar lições a partir das palavras de ordem gritadas no passado.

No entanto, o filme depende excessivamente de um recurso de potencial limitado. O reencontro dos grevistas de 1991 poderia atribuir um rosto humano e identificável ao período histórico. O imaginário do grevista violento seria facilmente desmontado pelas expressões comuns e pela fala amigável. No entanto, as conversas entre colegas militantes resultam em discussões um tanto mornas. As falas se limitam à constatação dos problemas, em tom descritivo: os personagens narram uns aos outros ações de que ambos estão cientes, relembrando o fato de terem sido demitidos, de terem passado por dificuldades financeiras, de terem apostado na Caixa enquanto empresa democrática e acessível ao povo. Ora, não há qualquer momento forte capaz de provocar alguma fricção entre essas figuras que concordam umas com as outras. Curiosamente, terminamos o filme sem conhecer um personagem sequer: ninguém adquire uma personalidade particular ou compartilha um episódio forte sobre este período em suas vidas. As rodas de falas soam frias e impessoais, algo inesperado para pessoas que vivenciaram de perto o instante de crise. As conversas se tornam equivalentes e lineares, incapazes de fornecer algum esclarecimento para além da constatação do ocorrido. Passamos longe de sensações, de memórias afetivas, de provocações amigáveis em grupo.

Além disso, estas conversas constituem as partes menos interessantes esteticamente. Os personagens estão dispostos em círculo, o que não favorece o enquadramento nem a interação entre eles. Cada grevista é registrado no centro do quadro, por meio de uma captação digital de baixa qualidade, que deixa a textura nítida demais e os rostos estourados sob a luz – sem falar no volume desigual do som falas. Não há movimentos de câmera, dissociação entre som e imagem, contrastes notáveis entre os planos. A simplicidade destes trechos pode ser justificada pela tendência a valorizar o material humano, colocando os protagonistas em situação de igualdade. No entanto, a opção aproxima o resultado da mecânica das reportagens, onde o conteúdo é colocado acima da forma. Há poucos materiais de arquivos capazes de provocar atritos significativos entre as representações, e raras oportunidades em que os personagens se expressam para além dos círculos de conversas estimuladas pela direção, e, portanto, artificiais. Depois de mais de 45 minutos de filme, um único depoimento para a câmera rompe a estrutura proposta até então, sem voltar a se repetir. Não Toque em Meu Companheiro debate a greve sem representá-la em imagens, reflete as consequências das manifestações no dia a dia sem representar o dia a dia. Uma mulher evoca a lembrança de sua demissão, quando tinha dois filhos para criar. Mesmo se enveredar pelo melodrama, o desenvolvimento de trechos como estes poderiam facilitar a identificação do espectador.

Por fim, o documentário cumpre a tarefa de invocar a resistência dos movimentos trabalhistas ao longo do tempo. Nenhum grevista de 1991 demonstra afinidade com a ideologia direitista atual – pelo menos, não aqueles que aceitaram testemunhar para as câmeras. O filme sugere que as falhas estruturais do passado se repetem no presente, e que estamos caindo no conto do vigário que já se provou falacioso no passado. A comunicação do Brasil em crise com o Brasil sonhado já constituía um ponto positivo de O Processo (2018), repetindo-se neste projeto de dimensões e ambições mais modestas. Entretanto, no que diz respeito à representação da greve de 1991 na Caixa, com suas circunstâncias e consequências específicas, o resultado se torna vago devido ao roteiro amplo, que navega entre blocos distintos sem se aprofundar neles. O material humano inerente ao momento histórico também passa à margem do filme: os manifestantes de então ganham rostos e voz, porém trazem falas que qualquer pesquisador alheio ao evento poderia ter fornecido. Resgata-se a greve enquanto marca no tempo e ferramenta de reação às injustiças sociais, mas não enquanto coletivo composto por individualidades.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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