Professor em Yale, o escritor americano Charles Seife fez fama e fortuna com o best-seller Os Números (não) Mentem: Como a Matemática Pode Ser Usada para Enganar Você. Consistente em sua tese, o livro não diz que se os números não mentem, também não contam toda a verdade. Ao publicar sua obra, em 2012, Seife não se referia ao Brasil, mas, a julgar pelos dias de hoje, bem que poderia. Um conjunto de dados positivos do mercado brasileiro, entre eles o crescimento do PIB acima de 5% em 2021 e o ingresso recorde de US$ 48 bilhões na bolsa no primeiro semestre, tem criado a falsa sensação de que o País está bombando. Só que não. Fora da literatura bolsonarista nas redes socais e das histórias em quadrinhos distribuídas ao mercado pelo ministro Paulo Guedes está a realidade de um setor produtivo em apuros. Fábricas estão fechando — como Ford, Mercedes-Benz, Mitsubishi, Sony e Roche, entre muitas outras — e as que permanecem estão com o pé no freio na modernização ou aumento da capacidade produtiva.

Tanto é que o Investimento Estrangeiro Direto no País (IED), aquele que demonstra o interesse duradouro do investimento na economia, despencou para US$ 174 milhões em junho, queda de 96,6% na comparação com o mesmo mês de 2020, segundo dados das Estatísticas do Setor Externo do Banco Central (BC). Um ano antes, o indicador contabilizou US$ 5,2 bilhões. Trata-se do nível mensal mais baixo desde julho de 2016, sob o impacto de uma redução dos empréstimos feitos pelas matrizes das empresas estrangeiras a suas subsidiárias no País. Enquanto isso, os investidores de fora fazem a festa na B3, atraídos por ações superbaratas quando compradas em dólares e empresas ainda prejudicadas pelo efeito da pandemia. Em julho, em um fluxo de realização de lucro, a retirada ultrapassou R$ 7 bilhões em três semanas.

O que isso representa? Que sem um horizonte positivo em curto prazo as fábricas deixaram de ampliar seus investimentos e se ajustaram a um patamar menor de produção, enquanto o País é, na visão do mercado de capitais, uma vitrine em promoção. Na avaliação de Marcos Mollica, gestor do Opportunity Total Master, quando há notícias positivas do Brasil, como foi no primeiro semestre, os investidores impulsionam os negócios na bolsa. Já para o economista Guilherme Ammirabile, assessor de investimentos da iHub, com as bolsas internacionais mais maduras, já precificando uma recuperação econômica mais robusta, a regra agora é perseguir pechinchas. “A economia estagnada e o patamar do câmbio favorecem. A bolsa brasileira é um ativo muito barato para o investidor estrangeiro.”

96% foi a queda na entrada do capital estrangeiro direto no brasil de janeiro a junho deste ano, contra 2020

Para Simone Pasianotto, economista-chefe da Reag Investimentos, a falta de investimentos no setor produtivo se explica pela falta de confiança dos empresários no Brasil. Ela afirma que o cenário de insegurança no País leva à fuga do capital, seja ele nacional ou estrangeiro. Ela considera que, no momento, o risco Brasil é muito grande no ponto de vista político, econômico e ambiental. “A demora na recuperação econômica, a lentidão na vacinação, além da crise política, amedrontam as empresas.”

TENDÊNCIA O processo de queda no Investimento Estrangeiro Direto (IED) no Brasil, em contraste com a sedução da bolsa, não é um fato isolado e nem um fenômeno inédito. Em 2020, o IED já havia caído 62%, de acordo com o Monitor de Tendências de Investimentos Globais, da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD). No ano passado, os recursos estrangeiros investidos no Brasil somaram US$ 25 bilhões — o menor patamar em duas décadas, drenado principalmente pelo desaparecimento de investimentos na extração de petróleo e gás natural, fornecimento de energia e serviços financeiros, segundo o relatório. Em 2019, o volume de investimentos havia superado os US$ 65 bilhões. Diante desses dados, para não ser enganado pela verdade (quase) sempre incontestável dos números, é bom analisar com muita atenção.