Bolsonaro: “Não tinha indício de corrupção por parte dele [Milton Ribeiro], no meu entender, ele foi preso injustamente” — Foto: Cristiano Mariz/O Globo — 20/6/2022
O presidente Jair Bolsonaro saiu ontem em defesa do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro, preso na Operação Acesso Pago da Polícia Federal, e liberado 24 horas depois. “Não tinha indício de corrupção por parte dele, no meu entender, ele foi preso injustamente”, disse Bolsonaro em participação no programa “4 por 4”.
O presidente mudou novamente o discurso sobre o ex-auxiliar. No dia da prisão de Ribeiro, em entrevista à rádio Itatiaia, Bolsonaro disse: “Se a Polícia Federal prendeu, tem um motivo. E o ex-ministro vai se explicar”.
Ontem Bolsonaro afirmou que o objetivo da prisão de Ribeiro é tentar “constranger e humilhar o governo”. Ele alegou que o inquérito da PF baseia-se em relatório da Controladoria-Geral da União (CGU), que fiscalizou contratos do MEC a pedido do próprio Ribeiro.
Ontem um levantamento da PF mostrou que o ex-gerente de projetos do Ministério da Educação (MEC) Luciano Musse, indicado por Ribeiro, e o pastor Arilton Moura - ambos presos na mesma operação que o ex-ministro -, estiveram no mesmo hotel em Brasília em pelo menos dez ocasiões, entre 2021 e 2022.
Após a revelação, na sexta-feira, de uma interceptação telefônica feita pela Polícia Federal em 9 de junho, em que Ribeiro afirma à filha que Bolsonaro havia lhe relatado um “pressentimento” de que ele [Ribeiro] seria alvo de uma busca e apreensão, o receio de auxiliares presidenciais era de que o áudio do presidente viesse à tona.
Nos últimos dias, entretanto, depois que a defesa de Ribeiro teve acesso ao conteúdo do inquérito, auxiliares palacianos foram informados de que esse suposto áudio do presidente com o ex-auxiliar seria inexistente.
Nesse cenário, sem uma gravação de Bolsonaro no inquérito, aliados presidenciais rechaçam a gravidade da interceptação telefônica de Ribeiro com a filha. Apostam que deve prevalecer a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) de que a mera citação do nome da autoridade em diálogo de terceiros é insuficiente para configurar o foro privilegiado. Por isso, os autos deveriam retornar ao juízo de primeira instância.
Ontem o ministro da Justiça, Anderson Torres veio a público, por meio das redes sociais, negar que tenha conversado com o presidente sobre a operação envolvendo Ribeiro na viagem de ambos aos Estados Unidos. Na data da ligação mencionada por Ribeiro à filha, Bolsonaro e Torres estavam juntos, participando da Cúpula das Américas.
“Diante de tanta especulação sobre minha viagem com o presidente Bolsonaro para os EUA, asseguro categoricamente que, em momento algum, tratamos de operações da PF”, escreveu em sua conta oficial do Twitter. “Absolutamente nada disso foi pauta de qualquer conversa nossa, na referida viagem”, reforçou.
É nesse contexto que caciques do Centrão articularam um “cordão de isolamento” para blindar o governo do acirramento da crise, e esperam refreá-la. Um primeiro esforço é convencer o senador Giordano (MDB-SP), último a assinar o requerimento para criação da comissão parlamentar de inquérito (CPI) do MEC, a retirar o endosso da investigação. O emedebista já deu declarações de que está aberto ao diálogo com o governo.
Em outra frente, a tropa de choque do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), vai tentar impedir a aprovação de um requerimento do deputado Jorge Solla (PT-BA) para convocar o ministro Anderson Torres para explicar a eventual tentativa de interferência na investigação que envolve Ribeiro. O requerimento será protocolado hoje pelo petista na Comissão de Fiscalização e Controle.
Na sexta-feira, o advogado do presidente, Frederick Wassef, afirmou que Bolsonaro não interferiu na PF e ressaltou que o seu nome foi usado indevidamente. O defensor destacou que o seu cliente não tem nada a ver com as gravações.
Juristas e advogados ouvidos pelo Valor avaliam que uma investigação sobre a conduta de Bolsonaro no episódio é factível. Para o professor de direito constitucional e pós-doutor em direito, Lênio Streck, as escutas apontam “gravidade ímpar”. Streck, no entanto, pondera que os autos da investigação já deveriam ter sido remetidos ao Supremo.
“Há um problema anterior aqui. Toda vez que, em uma interceptação, for mencionada autoridade com foro por prerrogativa de função, os autos do inquérito devem ser remetidos para o setor responsável”, afirma.
“Se a Polícia Federal já sabia desse contato telefônico entre o presidente e o ex-ministro da Educação por meio da conversa com a filha, antes do próprio pedido de prisão esse inquérito deveria ter ido para o STF, porque há suspeita de que o presidente tenha avisado um investigado. Logo, para o presidente saber, alguém vazou”, complementou.
Ouvido sob reserva, um ex-integrante do STF disse que, em princípio, os fatos aparentam gravidade, mas ressaltou que é preciso mais evidências de que o presidente de fato tentou interferir na investigação policial. Para ele, é possível instaurar inquérito no STF se a PF apresentar elementos adicionais de prova.