Dentro da orientação de buscar agendas positivas para o governo, os ministérios do Trabalho e Emprego (MTE) e o da Fazenda trabalham para fechar, nas próximas semanas, uma proposta para turbinar os empréstimos consignados para trabalhadores do setor privado. A ideia é que parte do saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) seja bloqueado na conta do trabalhador no momento em que empréstimo é contratado. Assim, estaria resolvido um problema da fragilidade da garantia contra inadimplência, um dos fatores que tornam esta linha cara.
As discussões, porém, ocorrem em meio a uma forte divergência entre as duas pastas em torno do fim do saque-aniversário do FGTS e dos empréstimos consignados que o utilizam como garantia, segundo o Valor ouviu de fontes envolvidas nas discussões. O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, quer acabar com essas duas medidas. Já o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, considera que o consignado do FGTS é uma forma barata para o trabalhador tomar empréstimo. O fortalecimento do mercado de crédito é um pilar do programa de trabalho de sua pasta.
A divergência é inconciliável e deverá ser submetida à arbitragem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Segundo fontes a par das negociações, Marinho já teria feito progressos no trabalho de convencer o presidente.
O Ministério da Fazenda também vê preocupações no ambiente de crédito com o fim imediato das medidas relacionadas ao FGTS – a antecipação do saque-aniversário concedeu R$ 30 bilhões em créditos em 2023, ante somente R$ 18 bilhões do consignado privado. Desde 2020, quando foi instituído, a antecipação do saque-aniversário foi responsável por injetar R$ 75,3 bilhões na economia, a uma taxa de 1,79% ao mês.
Assim, a equipe de Haddad já trabalha numa espécie de “plano B”: pedir um período de transição, para que se verifique se as mudanças que estão sendo discutidas para o consignado do setor privado tornarão a linha tão atraente quanto o consignado do FGTS. Só então, propõe o ministro da Fazenda, Marinho poderia seguir com o plano de acabar com o saque-aniversário.
As estratégias diferentes se refletem na forma defendida por cada pasta para fazer as mudanças. A Fazenda defende que sejam por projeto de lei, para que possam ser debatidas com mais tempo. O Trabalho quer que ocorram por Medida Provisória (MP), para vigorar imediatamente.
A rigor, não há relação direta entre consignado privado e saque-aniversário. Nos planos da Fazenda, melhoras no consignado do setor privado são parte da agenda de crédito e atacam um segmento que funciona abaixo de seu potencial. Na visão do Ministério do Trabalho, o consignado privado é a alternativa ao fim do saque-aniversário.
Marinho e sua equipe têm críticas ao saque-aniversário por diversas razões. Por exemplo: ele reduz o saldo do FGTS, que serve para financiar habitação popular e saneamento. Um dos argumentos usados no debate com a Fazenda é que, fortalecido, o FGTS reduz a pressão sobre o Tesouro Nacional para bancar tais investimentos.
Dados da Caixa mostram, porém, que o saque-aniversário não reduziu o saldo do Fundo. Em 2020, quando começou a operar, o saque-aniversário movimentou R$ 10 bilhões e o saldo do FGTS era de R$ 424 bilhões. No ano passado, o saque-aniversário atingiu R$ 38 bilhões, enquanto o saldo chegou a R$ 570 bilhões.
Os bancos mapearam 40 pontos de dificuldade no consignado do setor privado. Desses, havia dois principais. O primeiro era a porta de acesso: para tomar o consignado, o trabalhador precisava que sua empregadora fizesse convênio com um banco. É algo que pode não ser difícil para grandes empresas, mas o é para as micro e pequenas empresas.
Na visão do mercado, esta dificuldade foi superada com o FGTS Digital. A ideia é que os trabalhadores formais possam tomar empréstimos consignados diretamente com as instituições financeiras, sem a necessidade de autorização do empregador. Atualmente, trabalhadores com carteira assinada precisam da anuência do empregador para tomar esse tipo de empréstimo.
A autorização do empregador não será mais necessária porque o FGTS Digital terá as informações de todos os envolvidos nos empréstimos. O Conselho Curador do FGTS se prepara para aprovar mudança.
A segunda dificuldade é a garantia: como o banco poderia assegurar que continuaria a receber as parcelas mesmo se o trabalhador fosse demitido. É esse ponto que se quer superar, com o bloqueio de parte do saldo do FGTS.
O Valor apurou que os bancos são contra o fim do saque-aniversário e o consignado do FGTS. Trata-se do empréstimo mais barato que o trabalhador pode acessar. Além da taxa de 1,79% ao mês ante 5,68% do crédito pessoal, segundo dados do Banco Central.
Procurados, os ministérios da Fazenda e do Trabalho e Emprego não responderam até o fechamento desta reportagem.