"Minha conversa não é mais com a senhora", disse o homem do outro lado da linha. Ao fundo, Eric dos Santos gritava, desesperado. Minutos antes, o rapaz negro de 23 anos tinha atendido a ligação de uma mulher da família e conseguira pedir ajuda, chorando: "Os cara [de uma facção criminosa] me pegaram e tão falando que vão me matar".
O caso foi relatado em um boletim de ocorrência de desaparecimento, em 2019, na periferia da zona leste de São Paulo. Está longe de ser o único. O UOL acessou 25 mil registros de desaparecimento no estado, naquele ano, e outros 253 na cidade do Rio de Janeiro, em 2013, e identificou dezenas de ocorrências com indícios de sequestro e homicídio cometidos pelo crime organizado.
"São casos de desaparecimento dos mais graves, porque [as pessoas] desapareceram por causas violentas. Precisam ser apurados como crimes. Têm que estar no foco das ações de segurança pública", diz a promotora Eliana Vendramini, que coordena o Plid (Programa de Localização e Identificação de Desaparecido) do MP-SP (Ministério Público de São Paulo).
Em tese, já devia ser assim. A Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas, instituída em 2019, define que a localização de quem está em lugar desconhecido é "prioridade com caráter de urgência". Diz ainda que "investigações sobre o desaparecimento serão realizadas até a efetiva localização da pessoa".
Já casos de sequestro e homicídio, muitas vezes relatados nos boletins de ocorrência de desaparecimento, requerem ainda mais esforço de investigação policial.
Mas, ainda hoje, alguns casos nem sequer são apurados. Um policial civil de uma unidade responsável por investigar esse tipo de ocorrência na região metropolitana de São Paulo disse que, se a família não pressiona ou a imprensa não vai atrás, não se instaura um Procedimento de Investigação de Desaparecimento. O relato foi feito ao ser questionado sobre um caso em que não foi tomada nenhuma providência.
O motivo, segundo o policial, é o reduzido número de profissionais, de investigadores a delegados, para um grande número de casos de desaparecimento — cerca de 22 mil no estado, em 2019, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
A reportagem perguntou para a Secretaria de Segurança Pública paulista qual é o número de profissionais em unidades responsáveis por investigar casos de desaparecidos na Grande São Paulo, mas recebeu como resposta um texto de divulgação sobre o aumento salarial recentemente dado às polícias.
"Pela lei brasileira, todo desaparecimento deve ser investigado. Não cabe aos nossos órgãos estatais vinculados à atividade de polícia deliberar pela conveniência ou oportunidade [de investigação]. Temos que mudar esse cenário no país", disse o coronel Carlos Renato Paim, secretário nacional de Segurança Pública, órgão ligado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, durante evento sobre desaparecimentos, em 17 de fevereiro.