Rio

Crivella anuncia que vai cancelar concessão da Linha Amarela para a Lamsa

Prefeito comparou  o atual contrato com a situação "de uma mulher dar à luz pela boca"
Linha Amarela: concessão da via é alvo de descontentamento da prefeitura Foto: Gabriel de Paiva em 21/05/2019 / Agência O Globo
Linha Amarela: concessão da via é alvo de descontentamento da prefeitura Foto: Gabriel de Paiva em 21/05/2019 / Agência O Globo

RIO — O prefeito Marcelo Crivella anunciou, na manhã desta sexta-feira, que vai cancelar a concessão da Lamsa para a gestão da Linha Amarela, uma das principais vias expressas do município. A decisão será publicada na próxima edição do Diário Oficial, o que deve ocorrer na próxima terça-feira,  já que segunda será feriado para servidores públicos. O prejuízo para o município, segundo Crivella, já chega a R$ 1,6 bilhão, valor apontado esta semana pela CPI da Linha Amarela na Câmara Municipal. A suspensão do contrato, inclusive já havia sido pedida pelo vereador Babá (PSOL), membro da CPI, mas a recomendação não foi aceita pelos outros parlamentares.

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“Isso é um absurdo porque não há nenhum pedágio no mundo que o fluxo de carros tenha diminuído. É como supor que uma mulher vá dar à luz pela boca. Foi o pior negócio que a prefeitura fez na sua História”

Marcelo Crivella
Sobre a concessão da Linha Amarela para a Lamsa



Esse não é o primeiro episódio de confronto entre o prefeito e a concessionária, que já travaram disputas judiciais pela cobrança do pedágio . De acordo com Crivella, anualmente a concessionária arrecada R$ 300 milhões de forma irregular.

— Desde o início do meu governo tenho denunciado que a Linha Amarela é um dos maiores prejuízos para o povo do Rio. São 300 milhões por ano que não deveriam ser pagos. O pedágio não deveria ser cobrado há muito tempo. A primeira coisa que nós reclamamos foram das obras, dos aditivos, obras com sobrepreço, superfaturamento e obras que não foram realizadas, mas foram cobradas. Mandamos abrir uma das faixas (um dos sentidos do pedágio) por um ano e meio para ressarcir a prefeitura e a Justiça mandou cobrar novamente — afirmou o prefeito.

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Crivella comparou  ainda o atual contrato com a situação de uma mulher dar à luz pela boca:

— Suponha que uma mulher grávida vá ao médico. Ele diz: Se você tiver bebê pela boca, não paga nada. Se for pelas vias normais, você paga. Mas, doutor, quando foi que uma mulher vomitou um neném? Não há precedentes. Mas é um risco. É assim que foi feito. Tira-se o fluxo de carros com a seguinte hipótese: se cair o número de carros passando no pedágio, prefeitura não tem que ressarcir. Se aumentar, ela também não tem nenhum direito — explicou o prefeito.

Lamsa rebate prefeitura

Em nota, a Lamsa afirmou que presta um serviço de qualidade e bem avalidado pelos usuários e disse que as afirmações do prefeito Marcelo Crivella sobre a concessão da Linha Amarela "são desprovidas de respaldo jurídico e não encontram suporte no próprio contrato de concessão. A empresa reitera que não há argumentos de fato ou de direito para o cancelamento da concessão. A Lamsa buscará, se necessário, a preservação dos seus direitos judicialmente."

Pior negócio da História

Ele afirmou ainda que esse foi o "pior negócio que a prefeitura fez em sua História":

— Isso é um absurdo porque não há nenhum pedágio no mundo que o fluxo de carros tenha diminuído. É como supor que uma mulher vá dar à luz pela boca. Foi o pior negócio que a prefeitura fez na sua história. Aumentou-se o prazo de 10 anos para 40 anos, pedágio foi para (vai até) 2037.

Durante o discurso, Crivella afirmou ainda que a prefeitura continua fazendo estudos e verificou que o contrato de concessão não prevê o fluxo de carros. Segundo Marcelo Crivella, passaram 150 milhões de carros a mais na via expressa sem que isso fosse contabilizado.

— Foi verificado que eu tinha razão. Lá trás eles tiraram da equação o fluxo de carros. Passou-se se a considerar apenas custo de mão de obra, energia, asfalto, inflação do período, mas a receita saiu. Prejuízo para o município: R$ 1,6 bilhão. Parecia apenas um prefeito tentando se promover com erros da administração passada. Agora a CPI da Câmara comprovou o que fizemos. Há também técnicos do TCM que da mesma forma verificaram que há prejuízo enorme ao erário — disse durante o discurso.

Fé na Justiça

Apesar da decisão de cancelar a concessão da Lamsa, que vai até 2037, o prefeito do Rio acredita que a questão será judicializada pela concessionária. Diante disso, ele não soube informar se já na terça-feira os motoristas conseguirão cruzar a Linha Amarela sem pagar o pedágio.

— Espero, faço votos, peço a Deus que a Justiça possa verificar as contas dos nossos auditores, controladores, o resultado final da Comissão Parlamentar de Inquérito e deem o caso como encerrado porque, afinal de contas, o poder concedente é o município, que na construção da Linha Amarela colocou 51% (dos recursos). Agora é claro que eles vão recorrer. Mas dessa vez eu tenho a impressão que a decisão derradeira e final será bem diferente das outras — acrescentou Crivella.

Segundo especialistas ouvidos pelo GLOBO, dificilmente o ato terá um efeito prático, pois somente o judiciário, após um longo trâmite, decidirá sobre o mérito do caso:

— Dificilmente a Justiça concederá a antecipação de tutela nesse caso. Os dois lados levarão seus argumentos, um perito deverá ser nomeado para analisar todas as provas e, aí sim, tomar um decisão. É um processo que pode levar anos — comentou Manoel Peixinho, especialista em direito administrativo e direito constitucional.

Por fim, o prefeito anunciou a intenção de o munícipio assumir a gestão da Linha Amarela em vez de realizar uma nova licitação:

— Eu acho que não deve ser feita (nova licitação). Aquele pedágio deve sair dali e a prefeitura assumir a manutenção. Eles alegam que são R$ 100 milhões por ano em manutenção. Não vejo isso na troca de iluminação, de sinalização, no pessoal que trabalha ali com salários modestos. Não vejo. Esse custeio de R$ 100 milhões, me desculpe, é suspeitissimo. Me desculpe. Acho que a prefeitura pode absorber isso para tirar do bolso do carioca um peso enorme de R$ 300 milhões por ano. Espero que essa luta tenha chegado ao fim. Não há como diminuir uma coisa que tinha que ter acabado.

CPI da Linha Amarela

A Comissão Parlamentar de Inquérito da Linha Amarela na Câmara dos Vereadores teve o relatório final votado pela comissão nesta quarta-feira e foi aprovado por unanimidade. Entre as recomendações finais apontadas pelos parlamentares está a de "reequilíbrio econômico-financeiro" do contrato devido ao fluxo de veículos, modificando diretamente a tarifa hoje cobrada dos motoristas no pedágio.

O prazo para a CPI entregar um resultado dos trabalhos iniciados em março encerrava nesta quarta. De mãos atadas por ainda não poderem levar em conta uma auditoria das contas feita pelo Tribunal de Contas do Município, a pedido da CPI, os vereadores decidiram também que as recomendações técnicas que vieram do órgão sejam cumpridas.

O vereador Italo Ciba chegou a propor a redução da tarifa do pedágio para um valor entre R$ 4,30 e R$ 4,50, mas a sugestão não entrou no relatório final. Hoje o motorista que deseja passar pelo pedágio arca com o gasto de R$ 7,50.

Entre as medidas propostas pela CPI estão:

  • Sejam cumpridas as possíveis recomendações apontadas pelo TCM sobre o contrato
  • A realização do reequilíbrio econômico-financeiro contratual, utilizando o fluxo de veículos na contabilidade do contrato bem como na tarifa cobrada dos usuários
  • A confecção do 12º termo aditivo oficializando as duas obras substituidas no contrato anterior

Sindicância municipal

Uma sindicância feita pela prefeitura apontou que, em valores atualizados, a Lamsa teria causado um prejuízo de R$ 1,6 bilhão aos cofres do município. Segundo o estudo do município, o rombo foi gerado após uma série de irregularidades em contrato de aditivo, assinado em 2011. Entre os problemas apontados estão o superfaturamento de obras, cobrança de tarifa acima do necessário para manter o equilíbrio do contrato, e fluxo de veículos subestimado.

A auditoria apontou uma série de irregularidades. A primeira é a baixa previsão do fluxo de carros que iram passar pela Linha Amarela em 10 anos. A Lamsa teria calculado que em 2022, em média, seriam 122 mil veículos passando pela via por dia. Porém, já em 2011, o fluxo diário foi de 129 mil.

Outra irregularidade em relação a uma lista de obras, que a Lamsa pediu para a prefeitura realizar. Entre as dez obras requisitadas inicialmente estava a construção de quatro viadutos, uma ponte e até instalação de painéis acústicos. Uma das intervenções seria a criação de um viaduto que ligaria a Avenida das Américas com a Avenida Salvador Allende. Esta obra porém, já estava previsto no calendário de obras da Transoeste. A partir disso, invés desta intervenção ficou acordado que a Lamsa faria o alargamento da Avenida Bento Ribeiro Dantas. Porém, o preço da construção do viaduto foi mantido, não sendo realizado um cálculo para a nova obra.

O grupo de trabalho da prefeitura descobriu que as dez obras foram orçadas pela Secretaria de Obras em R$ 251 milhões, mas não levou em consideração o Sistema de Custos de Obras (SCO), que é obrigatório desde 1996. O sistema é atualizado todos os meses e contém o valor de mercado de diversos produtos. O valor calculado destas obras no SCO seria de R$ 117 milhões. Um dos itens apontados pela sindicância, que teria tido o valor superfaturado foi o preço por metro quadrado de recuperação do asfalto. Enquanto a Lamsa pagou para a construtora  R$ 42,39, a prefeitura havia pago, em um contrato semelhante no mesmo mês, para a mesma construtora R$ 23,89 para uma obra na região do subúrbio.

Sobre a sindicância feita pela prefeitura a Lamsa afirmou que "desde o início da concessão, tem atuado alinhada às regras municipais, sempre dentro da legalidade. No 11º Termo Aditivo, a empresa investiu com recursos exclusivamente privados R$251 milhões na realização das obras solicitadas pela própria prefeitura. O aditivo tramitou por todos órgãos municipais competentes: secretarias da Casa Civil, de Transportes, Obras, Procuradoria Geral do Município, Subsecretaria de Projetos Estratégicos, gabinete do prefeito, bem como no Tribunal de Contas do Município, onde foi arquivado. A concessionária, mesmo já tendo submetido  o caso à Justiça, que decidirá sobre o alegado desequilíbrio, discorda do cálculo realizado pelo município e  responderá a notificação da Prefeitura do Rio de Janeiro dentro do prazo legal."