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Política

‘Nós vamos buscar o comando do Orçamento’, diz Lira em entrevista

Artífice da aliança de Bolsonaro com o Centrão, deputado nega busca por cargos no governo, mas defende que Congresso tenha voz predominante sobre recursos federais e descarta CPI da Covid
Tomada de pulso. Lira na sua residência oficial, em Brasília, durante entrevista para o GLOBO na manhã de sábado Foto: Sergio Lima / Agência O Globo
Tomada de pulso. Lira na sua residência oficial, em Brasília, durante entrevista para o GLOBO na manhã de sábado Foto: Sergio Lima / Agência O Globo

BRASÍLIA - Há duas semanas no cargo de presidente da Câmara, o alagoano Arthur Lira (PP-AL) enfrentou seu primeiro “terremoto” político com a prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ). Lira sabe que o caso ainda não está encerrado, mas tem outras prioridades na cabeça: aprovar medidas que garantam ao Congresso o controle do Orçamento federal, acabando com a vinculação de verbas para qualquer área, incluindo Saúde e Educação. Em entrevista ao GLOBO na residência oficial na manhã de ontem, defendeu que haja um programa de auxílio permanente que não tenha as limitações do Bolsa Família e diz que há um contexto favorável para aprovar o mais rápido possível as reformas econômicas. Lira diz ainda que o problema da gestão do ministro da Saúde, Eduardo Pazzuello, é apenas de comunicação.

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Como o senhor vê o empenho do governo em relação à aprovação de pautas econômicas?

O presidente da Câmara não tem a Câmara a seu dispor e nem é arauto da verbalização. Quem ouve e discute, entrega. Quem verbaliza, não entrega. Mas tem duas mensagens muito fortes: vamos buscar o comando do Orçamento. O Congresso hoje é um carimbador do Orçamento. O Orçamento vem pronto, todo pré-fixado, com 96% de despesas carimbadas. Defendo a desvinculação total do Orçamento. Eu defendo. Se o Congresso vai votar, se não vai votar... Aí a gente tem que ter o respeito de ouvir todos. A população tem de escolher o deputado: “Ah, eu quero que tenha no Orçamento 40% para educação”. Então a população vai votar em deputados que defendam a Educação.

O que é “buscar o comando do Orçamento"? Por que o Executivo é quem tem de tocar o Orçamento...

Aí é o erro do Brasil. Onde as maiores democracias são fortes? Onde o Orçamento é do Legislativo. Quem vai executar é o Executivo. Mas quem diz onde vai executar, quanto vai executar e em que área é o Legislativo.

Vai aumentar o Orçamento impositivo?

Não. Eu quero desvincular o Orçamento. Hoje, você tem orçamento que bota 25% pra educação, 30% pra saúde, “x” para penitenciárias, vem todo carimbadinho. Então, de 100% do Orçamento, 96% você não pode mexer.

Não é perigoso? Já há casos de governos estaduais que não cumprem o mínimo constitucional na Saúde.

Hoje governadores e prefeitos são obrigados a gastar dinheiro, jogando dinheiro fora, para cumprir o mínimo constitucional. Na Saúde tem recursos demais. O problema da Saúde é gestão. Não estou dizendo que com essa medida você vai tirar dinheiro, não (da Saúde e da Educação). Estou dizendo que, quando você desvincula, você mantém o Orçamento todo para a necessidade do país naquele momento. Então se no momento o Acre precisa de ajuda para enchentes, manda dinheiro para a Defesa Civil. O problema é a pandemia? Manda para a Saúde.

O senhor defende criação de um auxílio permanente para a população sem renda?

Isso. Que é um irmão gêmeo do Bolsa Família, só que mais aprimorado. Porque o Bolsa Família só faz transferência de renda, não é inclusivo. O cara que está no Bolsa Família recebe R$ 190 e vive na clandestinidade. Ele nunca vai ter um emprego formal, porque se ele tiver, ele sai do programa. Esse novo programa que discutimos lá atrás é um pouco mais bem remunerado, com a quantidade de pessoas possível, em um determinado parâmetro, que será inclusivo.

As reformas administrativa e tributária serão votadas ainda neste ano?

Sou otimista por natureza. Todas as reformas têm que ser aprovadas em 2021. Meu calendário é o seguinte: votamos a Emergencial e o Pacto Federativo nesses próximos 30, 40 dias, tanto no Senado quanto na Câmara. A Administrativa, na semana que vem espero instalar as comissões. A Tributária, o acerto que nós fizemos foi agora, entre os dias 25 e 28, ler o relatório da comissão mista. Em qualquer perspectiva, era muito mais fácil você ter a aprovação de reformas nos dois primeiros anos do mandato. Mas esse terceiro ano está, assim, uma safra de vinho muito boa. O presidente do Senado que tem um relacionamento muito bom com o da Câmara, que tem um relacionamento muito bom com o presidente da República, que está construindo um relacionamento muito bom com o Judiciário. Qual a safra do presidente Bolsonaro de 2021? É um cara que está negando vacina? É um cara que é antidemocrático? É um cara que pensou em segurar o Banco Central? Não.

Em 2020, o presidente negava a vacina.

Em 2021, como é que está? Eu tenho que falar de 2021. Vocês sabem que o presidente tem algumas resistências com relação às reformas. Mas está extremamente democrático para ouvir. Então a safra do presidente de 2021 é extremamente agradável para que tudo isso aconteça.

O ministro Pazuello não demorou a impulsionar a compra de vacinas?

O ministro Pazuello se comunica muito mal. Eu costumo dizer que, se a gente tivesse o Mandetta comunicando e o Pazuello trabalhando, a gente tinha a dupla ideal. Quando você conversa com prefeitos e governadores, prefeitos de capitais, ninguém se queixa do Ministério da Saúde. Agora, se comunica muito mal. Para essa questão da vacina e do vírus, nós não temos uma receita de bolo. Você não pode ser condenado porque foi de um jeito ou de outro. Precisa trabalhar todo mundo junto.

Por isso o senhor diz que não é hora de abrir uma CPI para apurar a condução da pandemia pelo governo?

Eu tenho certeza de que não é. Por todas as informações que nós temos, se ela for focada no Amazonas, não vai pegar o ministério. Vai pegar o governador, o prefeito, o gestor que fez besteira, o outro que furou a fila, que desviou dinheiro. A gente vai parar o Congresso para falar de uma CPI para analisar quem está errando e para tudo. É sem cabimento, na minha visão.

Há a expectativa de, após se aliar a Bolsonaro, o Centrão reivindicar mais espaço no governo. E que o grupo defende menos espaço para os militares. Como o senhor vê?

A gente vive num governo de coalizão. O governo que chegou com mais de 50 milhões de votos faz 50 deputados, que é um número expressivo na Câmara, mas é 10% dos parlamentares. Então, o governo de coalizão é isso. De divisão de atribuição. Se o Legislativo executa e o Executivo legisla, isso não é bom. Talvez a cláusula de barreira, que foi tratada lá atrás, e deveria não ter tido a interferência que o Supremo teve, já teria resolvido esse assunto com menos partidos, menos discussões de espaço. Mas acho que a nossa atuação hoje, tenho que falar do Arthur Lira safra 2021, presidente da Câmara. Não importa a minha opinião como líder em 2020 líder ou como presidente de comissão em 2015 presidente de comissão. Qual foi a sinalização dada de que os partidos de centro querem avançar em cargos? Qual é a solicitação neste ponto? Não estamos discutindo isso. Estamos discutindo, para a surpresa de todos, a reforma tributária, administrativa, reforma emergencial, pacto federativo...

Há a indicação recente, por exemplo, do Republicanos ao Ministério da Cidadania.

Como teve um general indicado ontem (à Petrobras). Como terá amanhã um senador indicado. São cargos de indicação do presidente.

O senhor é réu em dois processos no STF. E preside a Câmara. Vai perguntar ao STF se tem direito a assumir a Presidência na vacância de Bolsonaro e de Mourão?

Vou responder juridicamente a uma coisa que a imprensa trata de maneira equivocada. A pessoa vira réu quando não tem mais nenhum tipo de decisão a ser tratada quando de uma recepção de denúncia que abre ação penal. Não tenho nenhuma ação penal instaurada no Supremo. Então não sou réu. (O STF já aceitou duas denúncias da PGR contra Lira, mas a defesa ainda contesta essas decisões).

Se Bolsonaro e o vice Mourão viajarem hoje, então o senhor pode sentar na cadeira?

Posso.

O governador do Rio, Cláudio Castro, quer que o senhor seja o “patrono” do acordo dos royalties do petróleo. A partilha entre estados produtores e não produtores é um tema espinhoso. Como pretende atuar?

Todo brasileiro tem o Rio como segunda casa. É o cartão postal do Brasil. E o estado sofre muito com essa política de ICMS. É a segunda ou terceira economia do Brasil e apenas a décima sétima em arrecadação. Então a reforma tributária pode dar chance para que isso seja revisto, além dessa discussão da partilha que está parada há muitos anos e será incluída no Pacto Federativo. É uma questão muito séria. O governador Castro merece toda a nossa atenção. E vai ter. Disse a ele que, como presidente da Câmara, vou servir de ponte nessa negociação. Tendemos a conseguir chegar a um ponto em comum entre os estados, mas não será fácil.