Por Rodrigo Rodrigues, g1 SP — São Paulo


CAPS infanto juvenil de Santana, na Zona Norte de São Paulo, alvo de investigação no Ministério Público por causa das reclamações de vizinhos. — Foto: Rodrigo Rodrigues/g1

O Ministério Público de São Paulo determinou à Secretaria Municipal da Saúde a mudança de endereço do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) III de Santana, na Zona Norte, responsável pelo atendimento de crianças e adolescentes com problemas psicológicos ou envolvimento com drogas.

O pedido aconteceu depois de várias reclamações dos vizinhos, recebidas pela Promotoria de Direitos Humanos e Saúde Pública desde a inauguração do espaço, em março de 2020.

A unidade é considerada modelo no tratamento de jovens com distúrbios psicológicos e foi instalada na Rua Almirante Noronha, uma área de classe média no Jardim São Paulo e estritamente residencial, segundo os moradores. Por mês são realizados no local cerca de 450 atendimentos em média.

A movimentação constante de pacientes e ambulâncias sempre foi alvo de reclamações da vizinhança. Os vizinhos do imóvel se irritam, principalmente, com os constantes gritos de pacientes em crise e as fugas que ocorrem durante o tratamento na unidade.

Moradores da Zona Norte de SP reclamam de barulhos vindos de CAPS na vizinhança

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A mudança da clínica de endereço foi acordada há mais de um ano com o promotor Arthur Pinto Filho, mas a transferência ainda não aconteceu, segundo a secretaria, por causa da dificuldade em achar um imóvel nas mesmas condições que não prejudique o trabalho desenvolvido com os pacientes.

“A Coordenadoria Regional de Saúde (CRS) Norte informa que viabiliza a locação de imóvel já identificado para a mudança do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) Infanto-Juvenil III Santana, administrado pela Organização Social Caminho de Damasco. No momento, estão sendo feitas as obras de reformas para as devidas adequações do espaço físico e de acessibilidade no novo imóvel, localizado na região do Jaçanã, Zona Norte”, disse a gestão municipal.

“A transferência não foi realizada até o momento em função de tempo demandado para localizar imóvel disponível na região com características necessárias para o pleno acolhimento e funcionamento como Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) Infanto-Juvenil III”, afirmou (veja íntegra abaixo).

Reclamações

A reação da vizinhança contra a unidade foi acentuada durante a pandemia, quando parte dos moradores passou a trabalhar em casa e conviver o tempo todo com os barulhos vindos do CAPs, que funciona 24 horas e recebe pacientes em crise também durante a madrugada.

Por outro lado, funcionários do CAPs narraram ao promotor Arthur Pinto Filho constantes gritos e ameaças vindas da vizinhança contra pacientes, familiares e funcionários da unidade.

“A relação com os vizinhos fronteiriços tem se tornado cada dia mais difícil com a realização de filmagens pelos mesmos dos pacientes e seus familiares em tratamento, de forma arbitrária, e também, inclusive, com agressões verbais”, disse o inquérito do MP ao qual o g1 teve acesso.

“O local tem se tornado insalubre às nossas crianças e adolescentes, com os profissionais se encontrando em risco quanto à sua integridade física em mental”, afirmam funcionários do equipamento ouvidos pela Promotoria.

Documento do MP mostra reclamação de empregados do CAPS Santana contra os vizinhos. — Foto: Reprodução

O g1 ouviu dois moradores que estão à frente das reclamações registradas no Ministério Público contra o CAPs. Eles preferem não se identificar e dizem estar sendo ameaçados por familiares de pacientes da unidade.

Os moradores negaram xingamentos contra funcionários, mas confirmaram que realizaram filmagens de fugas e gritos vindos do CAPs.

“A gravação é a única forma que nós temos de criar provas ao inquérito do MP para mostrar que o que a gente reclama é verdade. Nós estamos há mais de dois anos dizendo que a Prefeitura de SP instalou esse CAPs em área residencial, proibido pela Lei de Zoneamento, mas ninguém nos ouve. Nós somos vítimas de um erro do poder público e estamos tentando corrigir isso, pagando advogados do nosso bolso”, afirmou um técnico de informática vizinho do equipamento.

Moradores do Jardim São Paulo registram fuga de pacientes no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) III de Santana, na Zona Norte. — Foto: Acervo pessoal

“Quando os pacientes fogem, eles sobem em cima das nossas casas e ficam de lá gritando e fazendo ameaças aos enfermeiros e todo mundo que passa no local. Os gritos acontecem a qualquer hora do dia e ninguém consegue dormir. É terrível conviver com isso 24 horas por dia”, declarou um outro morador, que é comerciante.

No ano passado, funcionários e familiares dos pacientes organizaram um abaixo-assinado contra a atitude dos vizinhos que, segundo a equipe do CAPS, constantemente gritam contra a unidade pedindo para “calar a boca desses desgraçados”, segundo disse ao g1 uma ex-funcionária do CAPS.

A petição virtual teve mais de 5.600 assinaturas e afirmava que a vizinhança está “sugerindo que as crianças e adolescentes com transtornos mentais sejam amordaçadas”.

“Quer que deixemos de acolher as crianças? Quer que atendamos as crianças na base da agressividade e da violência? Quer que as coloquemos em sanatórios bem longe da sociedade porque o vizinho se incomodou com o choro? Quer excluir familiares e acolhidos do convívio sadio com a sociedade?”, afirmava o abaixo-assinado.

O Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde (Iabas), que administrava o CAPS III Santana até o ano passado, também emitiu uma nota de repúdio contra a postura da vizinhança.

“O CAPS IJ Santana atende cerca de 300 crianças e adolescentes portadores de transtornos mentais e comportamentais graves e, para nós cidadãos, é muito claro que é papel da sociedade entender, aceitar e respeitar o diferente, o diverso, contribuindo para que essas pessoas possam viver em sociedade com tratamento digno e compatível com as necessidades, nos termos da universalidade do SUS. (...) Lamentamos que algumas pessoas não conseguem compreender que o bem geral está acima do bem individual, é o que chamamos de interesse público”, diz o comunicado.

Os moradores rebateram as acusações e disseram que não são contra o trabalho de tratamento às crianças com transtornos mentais.

“Nas audiências de conciliação com o MP eles nos acusam de higienismo e elitismo, mas a gente sabe da importância do trabalho do CAPS. A questão é apenas o constante barulho. A prefeitura deveria ter consultado a vizinhança ou o conselho do bairro antes de instalar a unidade aqui", disse um dos vizinhos.

"Eles já saíram do último endereço justamente por causa do barulho. Se não houver consulta, os próximos vizinhos também terão o mesmo problema, porque o Conselho de Saúde Norte não faz questão nenhuma de consultar a vizinhança", disse outro dos vizinhos da clínica.

O promotor Arthur Pinto Filho, da Promotoria de Direitos Humanos e Saúde Pública do Ministério Público de São Paulo — Foto: Reprodução/MPSP

Pedidos do MP

Por determinação do próprio MP em outro processo que investigava o Iabas, a entidade deixou de administrar todos os CAPS da cidade de São Paulo no fim de 2021. Desde então, a unidade de Santana começou a ser gerida pela entidade Sociedade Beneficente Caminho de Damasco (SBCD).

Antes da transferência de gestão, a Promotoria havia sugerido várias mudanças na clínica para diminuir os transtornos dos vizinhos, em reunião em outubro de 2020. Entre as mudanças estava um projeto de isolamento acústico da casa – que é alugada – para diminuir a propagação de ruídos.

Porém, os vizinhos dizem que grande parte das mudanças sugeridas pelo MP não foram cumpridas. A justificativa dada pela entidade gestora era que um novo imóvel para a mudança da clínica já estava em avaliação e, portanto, não faria sentido o investimento em isolamento acústico com dinheiro público.

“Já passou mais de um ano que escutamos que eles vão se mudar e até agora nada. Enquanto isso, o barulho persiste e até ameaças comecei a receber na porta da minha casa, de familiares dos pacientes. Eles aterrorizam as famílias dizendo que o serviço vai acabar por causa dos vizinhos, e as famílias vêm até a gente fazer cobrança. Nós estávamos com medo e aterrorizados. Minha esposa desenvolveu até síndrome do pânico e emagreceu 40 kg”, disse um vizinho.

Intermediação da Promotoria

O promotor Arthur Pinto Filho reconhece que houve demora por parte da gestão municipal em realizar a mudança de endereço, mas ressalta a importância do serviço num momento de pandemia.

“De fato, a antiga Organização Social chegou a acertar o aluguel de um imóvel, mas acabou não dando certo, razão pela qual ocorreu a demora. Penso que agora não haverá atraso, posto que o aluguel já foi fechado", disse o promotor.

A situação é muito delicada mesmo. Os vizinhos têm razão em reclamar, mas o equipamento de saúde não pode ser simplesmente fechado. Fato é que ninguém quer CAPS ou equipamento de assistência social nas imediações. É uma luta enorme para minorar os eventuais problemas. Há sempre uma tensão entre os equipamentos e os vizinhos, afirmou.

Segundo Arthur Pinto filho, "nunca houve reclamação por parte dos usuários no que diz respeito ao tratamento ali dispensado". E completa: "Nossa Promotoria recebe reclamações relacionadas com vários equipamentos de saúde por parte dos usuários: falta de médicos, medicamentos etc. No caso do CAPS em testilha, nunca houve reclamação".

O comerciante Francisco de Almeida, que era vizinho da antiga sede deste CAPS até 2019, na Rua Machado Pedrosa, também no Jardim São Paulo, conta que a vizinhança tinha o mesmo problema enfrentado na Rua Almirante Noronha e alerta para a necessidade de que seja identificado um espaço em que a situação não se repita.

“O problema do urros dos pacientes vai ser o mesmo no novo endereço para onde eles vão agora. Um serviço específico como este precisa de um espaço sem vizinhança tão perto e onde as famílias também possam ser acolhidas. Porque elas ficam do lado de fora, se aglomerando nas calçadas, aguardando atendimento do familiar. Se a Secretaria da Saúde não se preocupar com isso, outras reclamações virão. E é uma tristeza até para a família dos pacientes ter essas mudanças constantes, porque o atendimento deles também fica prejudicado”, disse.

O que diz a Prefeitura de SP

"A Secretaria Municipal da Saúde (SMS), por meio da Coordenadoria Regional de Saúde (CRS) Norte, informa que viabiliza a locação de imóvel já identificado para a mudança do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) Infanto-Juvenil III Santana, administrado pela Organização Social Caminho de Damasco. No momento, estão sendo feitas as obras de reformas para as devidas adequações do espaço físico e de acessibilidade no novo imóvel, localizado na região do Jaçanã, zona norte. A Pasta esclarece que a transferência não foi realizada até o momento em função de tempo demandado para localizar imóvel disponível na região com características necessárias para o pleno acolhimento e funcionamento como Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) Infanto-Juvenil III.

A SMS informa que os atendimentos prestados na unidade incluem atendimento individual (medicamentoso, psicoterápico, orientação, entre outros), atendimento em grupo (psicoterapia, grupo operativo, atividades de suporte social, entre outras), atendimento em oficinas terapêuticas executadas por diferentes profissionais, visitas e atendimentos domiciliares, atendimento à família, atividades comunitárias enfocando a integração do doente mental na comunidade e sua inserção familiar e social, acolhimento noturno, nos feriados e finais de semana, com no máximo cinco leitos, para eventual repouso e/ou observação.

O órgão ressalta que no último mês, dezembro de 2021, o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) Infanto-Juvenil III Santana realizou 1.610 atendimentos e 208 teleatendimentos. Em média, são realizados cerca de 450 atendimentos por mês".

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