Por Camila Rodrigues da Silva, Felipe Grandin, Gabriela Caesar e Thiago Reis, G1


Ex-detentos relatam vida na prisão e parentes falam do drama do cárcere em tempos de Covid

Ex-detentos relatam vida na prisão e parentes falam do drama do cárcere em tempos de Covid

Apesar da diminuição da população carcerária durante a pandemia, o Brasil se manteve na mesma posição do ranking de países que mais prendem no mundo.

Levantamento feito pelo G1 mostra que o país tem 322 pessoas presas para cada 100 mil habitantes. A taxa considera o número de presos dentro do sistema prisional (pouco mais de 680 mil) e o de habitantes (cerca de 213 milhões). Com esse dado, o Brasil fica na 26ª posição em um ranking de aprisionamento com outros 222 países e territórios.

População carcerária cai pela 1ª vez — Foto: Guilherme Gomes/G1

Considerando o número absoluto de presos, o Brasil ainda ocupa a 3ª posição com folga, atrás apenas de China e Estados Unidos, e à frente da Índia, que tem pouco mais de 478 mil detentos.

Os dados de pessoas encarceradas foram coletados pelo G1 dentro do Monitor da Violência, uma parceria com o Núcleo de Estudos da Violência da USP e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, e são referentes aos primeiros meses deste ano.

Já os números dos demais países e territórios são da "World Prison Brief", do Instituto de Pesquisa de Política Criminal da Universidade de Londres. A base de dados reúne as informações mais recentes de cada local.

Prisões no mundo — Foto: Guilherme Gomes/G1

Em 2020, quando o G1 também fez esse levantamento, a taxa prisional do Brasil era maior: 338 presos para cada 100 mil habitantes. O país, porém, ocupava a mesma 26ª posição no ranking. Isso porque outros países também reduziram a taxa no período.

Os dados apontam que há hoje no país uma capacidade para abrigar 440.530 presos. Ou seja, existe um déficit de 241.652 vagas.

Se for levada em conta a superlotação nas cadeias, o Brasil figura na 47ª posição, acima de Irã, Jordânia, Nigéria e Paraguai.

O defensor público e ex-diretor do Depen Renato De Vitto afirma que a taxa de encarceramento brasileira ainda é muito expressiva e não se reflete na redução da criminalidade.

"[A taxa de encarceramento] é muito alta. Duas vezes e meia a mais do que o mundo prende. Tudo bem, aqui tem uma incidência criminal muito alta, mas é só prendendo que vamos resolver o crime? A partir de uma determinada taxa de encarceramento não se dissuade a prática do crime."

Difícil superação

Andreia MF e Kric Cruz estiveram presos. Cumpriram a pena e voltaram à sociedade. Enfrentaram dificuldades na busca por emprego e qualificação. Eles relatam que faltam oportunidades para egressos do sistema prisional, com passagem criminal, conseguirem um emprego e retomarem a vida, longe do crime.

Andreia MF, de 54 anos, e Kric Cruz, de 64, estiveram presos e hoje tocam projetos para ajudar egressos do sistema prisional — Foto: Henrique Pinheiro / Montagem: Nikolas Espíndola / G1

Depois de ser demitida de um restaurante porque seu chefe descobriu seu passado, Andreia MF passou a trabalhar como trancista, termo dado à profissional que faz tranças no cabelo. Transformou a garagem de sua casa em um salão de cabeleireiro improvisado e hoje atende os moradores de Praia Grande, no litoral de São Paulo.

"Eu comecei a fazer tranças e elas eram o meu sustento dentro do sistema prisional, porque, com elas, eu conseguia meu cigarro. E, com cigarro, compra-se sabonete, pasta de dente, um pacote de bolacha, absorvente", conta. Atualmente, Andreia MF também ajuda familiares de presos com a iniciativa "Mães do Cárcere".

Já o articulador cultural Kric Cruz (nome artístico de Claudio Cruz) formou dentro da prisão a banda Comunidade Carcerária junto com colegas do mesmo pavilhão do Carandiru: FW (Flavio Sousa) e WO (Washington Paz). A vida após a prisão, relata, também não foi fácil.

"Há muita dificuldade pelo estigma de ser ex-presidiário. A pessoa cumpre [a pena], sai e vai procurar emprego de alguma forma, quer mudar de vida, sair dessa vida. E, pensando nessa dificuldade, a gente começou a pensar em um plano de ajuda."

Para Kric, a combinação de educação e cultura – ele se envolveu em projetos sobre isso quando estava preso – deve ser o caminho para os egressos do sistema prisional. Atualmente, ele, FW e WO comandam um espaço cultural para jovens na Vila Missionária, na Zona Sul de SP: o "Espaço Cultural 2C – Fomento à cultura na periferia".

Diferenças regionais

Assim como no levantamento anterior, as taxas de aprisionamento por estado continuam discrepantes.

O Mato Grosso do Sul, por exemplo, tem a maior taxa do país, com 748 presos para cada 100 mil habitantes. Esse percentual é superior ao registrado por todos os países do ranking do World Prison Brief. Já a Bahia tem a menor taxa do Brasil, com 88 presos para cada 100 mil. Nesse caso, a taxa é próxima à de países como Croácia e França.

A Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário (Agepen) de Mato Grosso do Sul diz que a taxa de aprisionamento elevada se deve ao fato de "o estado possuir fronteira com dois países (Bolívia e Paraguai) considerados predominantes produtores de entorpecentes". "O estado está localizado em uma das principais rotas do tráfico internacional de armas e substâncias ilícitas, principalmente maconha e cocaína."

Segundo a Agepen, por isso, são custodiados presos de todo o Brasil. "Inclusive, já existem tratativas do governo do estado com a União para uma solução quanto aos presos por delitos federais."

Já a Bahia credita o baixo indicador ao investimento na ampliação de vagas e à adoção em massa de tornozeleiras eletrônicas. “Foi otimizado esse uso com o apoio do Poder Judiciário, que tem dado decisões nesse sentido, viabilizando a não entrada de novos réus no sistema prisional.”

Do total de presos no Brasil, 4,5% são mulheres — Foto: Kléber Gonçalvez/SVM

Por gênero

As taxas variam se for levado em conta o gênero. Mas o Mato Grosso do Sul também é o estado que mais prende mulheres. A taxa fica em 107 a cada 100 mil.

As mulheres, aliás, representam 4,5% do total de presos no Brasil. Na comparação feita com outros países do mundo, o país aparece na 101ª posição, empatado com Grécia, Uganda e Malásia, que têm o mesmo percentual de mulheres presas sobre o total da população carcerária.

Hong Kong é o que mais tem mulheres presas proporcionalmente: 20% do total.

Taxa de presos provisórios

O levantamento do G1 também mostra que 217.687 presos ainda aguardam um julgamento – o que equivale a 31,9% do total de presos. Nesse caso, o Brasil fica na 103ª posição, com o mesmo índice da Austrália.

Apesar do aumento da taxa em um ano, houve uma melhora dentro do ranking mundial. Isso porque o país ocupava a 100ª posição em 2020.

Veja também

Mais lidas

Mais do G1
Deseja receber as notícias mais importantes em tempo real? Ative as notificações do G1!